Andas a cumprir ou a criar?
CUMPRIR E CRIAR. O QUE SIGNIFICAM NA NOSSA VIDA?
A maior parte das pessoas desconhece que existem apenas duas atitudes na vida: a de cumprir e a de criar. Tudo gira em torno desta dicotomia. Nada sai desta roda de escolhas.
Se escolher cumprir, vou conduzir a minha vida numa determinada direcção. Se escolher criar, a minha vida vai numa direcção completamente diferente e oposta.
Desde que nascemos, somos incutidos a cumprir. Não vamos criticar quem nos educou, mas é sabido que o medo reina sobre a educação, não apenas no receio próprio da grande maioria dos pais de perderem o controlo sobre os seus filhos, mas também porque foi a forma como também eles foram educados.
Mudar padrões de educação é extremamente difícil. Estão debaixo da pele de quem os viveu e torna-se mais fácil repetir do que inovar. Muitas vezes, a ignorância da existência de novos métodos e realidades é a responsável por se educar pura e simplesmente na base do cumprir.
Na cabeça de muitas pessoas, quem cumpre tem mais facilidade em ser aceite dentro do seu meio social e a não ser alvo de críticas ou julgamentos. A normalidade é a grande ambição dos medíocres. Ser aceite é o grande propósito de muitas pessoas, simplesmente porque têm falta de amor nas suas vidas e a aceitação traz-lhes um pouco essa sensação.
A verdade é que quem cresce apenas a cumprir, tem uma natural tendência a não acreditar em si próprio e na existência da felicidade. A vida adquire o tom de uma obrigação difícil e dura em que nos é permitido viver pequenos momentos de felicidade entre uma mão de cheia de outros de infelicidade.
Dizer que a felicidade são momentos é o mesmo que dizer que a vida também são momentos.
A felicidade deve ser acima de tudo uma atitude de aceitação para poder mudar, gratidão e humildade, coroada com uma ousadia e uma paixão enormes por viver.
Quem não acredita na felicidade, não acredita na vida.
Quem tem por propósito cumprir, nunca vai entender a dimensão da vida e tudo aquilo que ela tem para lhe ofertar ao longo do seu crescimento e tomada de consciência.
Obviamente que existem situações que é preferível cumprir, como as leis, as obrigações fiscais, etc. No entanto, a verdade é que nada te obriga a cumpri-las. O cumprimento das mesmas evita-te problemas maiores, porque vives numa sociedade com regras e leis que aceitas quando te silencias. Além do mais, esta sociedade é cruel e precisa do teu cumprir para funcionar. O cumprimento das tuas obrigações permite que exista um equilíbrio, ainda que precário, neste mundo onde o poder, a força e o medo fazem-te sentir inseguramente seguro.
O objectivo de todas as instituições de poder é fazer-te acreditar no cumprir para continuar a funcionar.
O problema de apenas cumprirmos é que acabamos invariavelmente por deprimir.
Cumprir não traz nada de novo para as nossas vidas. É sempre mais do mesmo. Os dias repetem-se numa cadência de hábito e a necessidade de uma vida própria torna-se premente. No entanto, quando se é habituado apenas a cumprir, a solução que normalmente se encontra quando se começa a deprimir é fugir através de vícios, vitimização e desvios, todos para se sentir um pouco mais de alento e fantasia na vida. Contudo, esta forma de “aprender” a viver com o cumprir, nada mais faz do que acelerar o processo de depressão e leva a deixar de acreditar na vida e em tudo aquilo que ela representa.
A depressão é das “doenças” mais comuns nos nossos dias. Dizem as estatísticas que em cada dez pessoas oito já viveu ou vive uma depressão. Além do mais, destas oito pessoas, apenas duas conseguem ultrapassar com sucesso este estado de espírito. As restantes seis pessoas vão viver toda a sua vida em pequenos altos e muitos baixos sem conseguirem mais sair do estado depressivo.
Isto é muito alarmante, sobretudo se as pessoas não tiverem consciência de onde vem este seu estado depressivo. Quando se limitam a cumprir, sobrevivem. E quem sobrevive, não se respeita.
Assim, o cumprimento enquanto única modo de vida é uma forma de desrespeito para quem verdadeiramente somos. A sua única função é permitir-nos de sobreviver e servir uma sociedade que vive à custa desta nossa muda obediência.
Cumprir é acelerar a morte em vida. É tirar todo o sentido à própria vida e, consequentemente, a nós mesmos.
Ora, a solução não é deixar de cumprir. Como disse atrás, existem coisas que nos são mais convenientes de cumprir. Cumprir também faz parte da vida, tal como o medo e o amor. No entanto, não pode ser o nosso único objectivo ou missão. O cumprir vem do nosso lado mental, vem da nossa necessidade de sermos aceites através da normalidade e não da diferença.
Como tal, devemos, sim, cada vez mais criar, não em oposição ao cumprir, mas porque estamos nesta vida essencialmente para criar.
Criar não é inventar nem procurar seja o que for. A criação não existe fora, mas dentro de nós. Criar é ir buscar quem somos em tudo aquilo que escolhemos ser. Criar é fazer escolhas em que o respeito por nós está acima de seja quem for ou de seja o que for. Criar é aprender a dizer NÃO por respeito e amor a nós mesmos.
A verdade é que só criamos quando as nossas escolhas são aquelas que fazemos na liberdade de sermos nós mesmos, sem precisarmos da aprovação de ninguém, sem medo de não sermos aceites, sem recearmos a nossa diferença, porque ser diferente não é ser melhor nem pior que ninguém. É ser quem viemos cá ser.
Cada um de nós tem uma grande missão, que é a de ser livre. Ser livre não significa apenas fazermos o que quisermos. Ser livre significa sermos nós mesmos, sem restrições nem concepções, sem dependências nem apegos, sem mentiras nem esforço, sem controlo nem medo das mudanças. Sei que é uma tarefa difícil, mas também sei que não é impossível. O importante é dar pequenos passos todos os dias, criar uma vida nossa, não depender emocionalmente de ninguém, mas pelo contrário partilhar a nossa vida com quem nos faz sentir ainda mais livres. O fundamental é fazermos sempre escolhas de respeito por nós mesmos, não permitir desrespeito por parte de ninguém, enfrentar os medos que precisamos de enfrentar para continuar a criar e não cair de novo unicamente no cumprir.
A vida ama-nos e, como tal, quer ver-nos felizes e livres. Para tal, sempre que nos desviamos um pouco do nosso processo permanente de criação, ela lembra-nos com dúvidas, abanões, perdas e provocações. Faz parte do seu jeito generoso de nos amar.
A consciência desta ambivalência entre o cumprir e o criar dá-nos uma noção mais clara do que temos andado a fazer na nossa vida. Se criamos pouco, vivemos pouco. Se não criamos nada, não vivemos. Sobrevivemos apenas. E sofremos bastante.
Quanto mais criarmos, mais vivos nos vamos sentir, mais livres vamos ficar. Criar é o nosso verdadeiro propósito. Criar é escolhermos aquilo que o nosso coração mais nos pede, sem pensarmos no resultado final, porque quem pensa apenas no resultado final é quem está a cumprir. A lógica domina as nossas escolhas e deixamos de nos divertir.
Cumprir é assumir um compromisso com a normalidade e a frustração. Criar é recebermos com a nossa atitude tudo aquilo que a vida tem para nos dar e que sempre foi nosso.
Cumprir é entregar o poder da nossa vida aos outros. Criar é ser livre da opinião dos outros.
Cumprir é não aceitar sentir quem somos. Criar é entender que se não seguirmos o que sentimos, nada mais vai fazer sentido na nossa vida.
Por isso, cria mais, cria como se a tua vida dependesse disso, porque na verdade a qualidade da tua vida está ligada à tua capacidade de acreditares em ti mesmo, no teu valor intrínseco, e na tua capacidade de transformares a tua vida na vida que sempre desejaste viver.
Cria sempre que quiseres e puderes, porque onde não crias não colocas amor e respeito por ti próprio. Colocas apenas esforço e experimentas apenas sofrimento e mais do mesmo que já estás cansado de conhecer e não querer.
Não te permitas destruir a tua vida !
José Micard Teixeira
Eu também gostei muito texto está muito bem explicado.
Parabéns José!!
Adorei! Obrigada! Está tão bem explicado!